Persuasão da Netflix traduz Jane Austen para geração Z – e não tem nada de errado nisso

No dia 15 de julho, a nova adaptação da Netflix de Pesuasão, livro de Jane Austen publicado em 1818, chegou à plataforma de streaming. O filme já vinha ganhando uma critica negativa por seu tom caricato, cômico e quebra da quarta-parede, quando o ator olha diretamente para a câmera. Estrelado por Dakota Johnson, mais conhecida pela franquia 50 Tons de Cinza, o longa traduz a genialidade de Jane Austen para a geração Z, ainda que de maneira caricata.

E essa geração é bem como o filme: rápida, sagaz, irônica. Quem acessa plataformas de vídeos curtos já está familiarizado com esquetes em que o sujeito conversa com alguém que não está no frame e sutilmente quebra a quarta parede para demonstrar alguma reação com quem está assistindo. Nas novelinhas do TeleKwai, muitos criadores pedem a opinião do usuário, “você acha que ela deveria fazer XYZ? Deixe nos comentários”. Tal artifício já é bem conhecido da nova geração e achei fantástico usar essa linguagem (bem como as polêmicas alterações no texto) para atrair novos fãs para a obra de Austen. Eu diria que foi um 8, afinal, você não deve confiar num 10 (quem assistiu vai entender).

Conhecendo Persuasão

Para quem não conhece a história original, Persuasão conta sobre Anne Elliot, moça de uma família nas bordas da aristocracia (seu pai é um baronete) e que recusa o pedido de casamento do oficial da marinha Frederick Wentworth. Ela sofre com a persuasão (entendeu? hehe) da família, que é ridiculamente esnobe, e recusa o casamento. Oito anos depois, o jogo vira. Os Elliots estão à beira da ruína, precisam alugar sua mansão para algum almirante da marinha e ir passar um tempo em Bath. Frederick agora é Capitão Wentworth, com fama, fortuna e uma beleza mais madura, talhada nas aventuras ao mar. E, como não poderia deixar de ser, é a família da irmã de Wentworth que aluga a casa, interligando novamente o destino deste casal. Muitas coisas acontecem, desencontros, dor no coração, acidentes, mal entendidos, sem contar o atraente Mr Elliot (herdeiro de Sir Walter), tudo isso entra na equação para criar uma das histórias (na minha opinião) mais bonitas de Jane Austen.

Mas, verdade seja dita. O livro tem uma característica muito forte: o monólogo interno de Anne. É um dos livros em que a protagonista está completamente destruída. Ela errou e sabe, se arrepende, queria mudar. Não é como Emma, que descobre sua falibilidade ao longo da história, ou Elizabeth, que percebe o quão orgulhosa estava sendo ao se deparar com a generosidade silenciosa de Darcy. Anne sabe o que fez e tem que viver com as consequências de suas escolhas. Sem ter a menor ideia se Wentworth se sente da mesma maneira.

Voltando à adaptação da Netflix, não a considerei tão ruim quanto estava esperando. Não é uma obra-prima. Mas não é um Orgulho, Preconceito e Zumbis – o PIOR filme de Jane Austen já feito nesse universo (segundo eu mesma). O filme traz todos os elementos de um mundo austeniano, mas como se tivesse tomado algumas garrafas de vinho a mais. E isso é exatamente o que Anne faz. Bebe pra caramba e se afoga em doses de autopiedade, com um dom pra rir de si mesma, a típica solteirona de comédias românticas atuais. Algumas cenas são bem anacrônicas, alguns diálogos então, nem se fala. “Somos piores do que desconhecidos, somos Exes” com a continuação “agora somos piores do que exes, somos amigos” ainda me dá calafrios, mas juro, essa é uma das poucas partes que achei irritantes.

Persuasion. Dakota Johnson as Anne Elliot in Persuasion. Cr. Nick Wall/Netflix © 2022

Achei até divertido toda a história de classificar as pessoas com notas, um toque bem Geração Z, algo bem 2022, bem moderno, para atrair as novas audiências. Não vejo problema nenhum em ter toques assim. Incomodou muito mais o cabelo escorrido de Dakota Johnson, o fichu por cima da roupa, a boina totalmente anacrônica e as golas sem nenhuma engoma, com um caimento horroroso, parecendo que saiu de uma liquidação da Renner e tentou montar um look pra ir pra Bridgerton Experience (sim, eu sei, preciso escrever sobre o evento, to voltando pessoal, aguardem). Sendo que as roupas dos outros personagens tinha toda a estética regencial, bom caimento, boa composição. Se a ideia era passar que Anne não conseguia se cuidar, falharam, porque só parecia que a roupa dela veio de outro século, que tentaram modernizar demais e acabaram escorregando pro lado do desleixo.

A real é que em alguns momentos o filme parece um daqueles de viagem no tempo em que uma heroína totalmente moderninha caí num mundo diferente, tenta se adequar aos costumes da época mas tudo em sua postura, fala e maneirismos remetem ao século 21. É uma Anne bem diferente, mas que ainda assim reflete a personagem criada por Austen, mas com uma roupagem atual.

Porém, tenho que fazer uma ressalva aqui para uma referência que achei muito perspicaz e que os fãs de 50 tons vão perceber (guilty as charged): logo no começo, Anne está com um vestido cor de ameixa, e depois de saber que vai ter que cuidar dos sobrinhos ao invés de ir para Bath, morde um aspargo com raiva. Essa cena remete a uma cena de 50 tons, que Anastasia Steele, trajando um vestido ameixa, morde sensualmente um aspargo.

Persuasion. (L to R) Henry Golding as Mr. Elliot, Cosmo Jarvis as Captain Frederick Wentworth in Persuasion. Cr. Nick Wall/Netflix © 2022

Sobre os homens nesta adaptação, acredito que o Capitão Wentworth de Cosmo Jarvis não me agradou tanto quanto o de Rupert Penry-Jones, da versão de 2007. Ele me pareceu muito duro, muito travado, mais homem do mar do que charmoso capitão, mas, acho que é uma forma de ver o personagem. A cena da praia foi quando senti que ele começou a se soltar mais, mas ainda assim continuou muito travado, parece um boneco de madeira.

COSMO JARVIS as CAPTAIN WENTWORTH in PERSUASION. Photo Credit: Nick Wall/Netflix © 2021

Mr. Elliot, que muitos aguardavam pelo charme de Henry Golding, valeu a pena. Charmoso como o diabo, liso como um sabonete, Mr. Elliot quase consegue fazer a gente torcer para que Anne fique com ele. QUASE. Li que algumas pessoas ficaram irritadas por ele ter um final satisfatório, mas entre tantas coisas bizarras nesse filme, a última que eu prestei atenção foi nesse fato.

MR. ELLIOT in PERSUASION. Photo Credit: Nick Wall/Netflix © 2021

O filme, da diretora Carrie Cracknell, tem um tom cômico que me agradou, uma comédia romântica com um humor auto-deprecitivo e muito vinho. Não ficou bizarro demais (só um pouquinho) e trouxe uma modernidade que com certeza vai atrair novos leitores para Jane Austen. Sim, é diferente; sim, é meio cringe; sim, pode achar que é um sacrilégio. Ninguém precisa gostar de tudo. Mas, não se pode negar que é uma roupagem bem interessante, como uma solteirona do século 21 misturada com uma do século 19 vivendo aquela fantasia. Uma influencer na Era Regencial.

Todas as outras versões vão continuar existindo e você sempre pode assistir a que mais gostar quando quiser. Como fã de Bridgerton, que ainda sofre com a mudança da timeline do livro para a série, já fico grata que não fizeram nenhuma grande mudança nos acontecimentos da história. Faz anos que li Persuasão, mas o filme me levou naquela jornada passando por todos os marcos, ainda que com uma linguagem extremamente moderna. Mas, entregou o final feliz e o desenrolar do casal sem inventar muito com a história principal. Me dou por satisfeita.

Esse blog é parceiro da página Julia Quinn Brasil. Curta a página no FacebookTwitter e Instagram para não perder nada!

Não se esqueça de curtir a página do Costurando o Verbo no Facebook e me siga no Twitter!